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Caça ilegal de botos para servir de isca em pesca preocupa autoridades do Amazonas

Os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) detectaram redução da população de botos-vermelhos, conhecidos popularmente como botos cor-de-rosa. O índice chega a 10%, por ano, em áreas específicas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá. A diminuição dos número de animais foi encontrada na área de atuação do Inpa dentro da reserva, que corresponde a 12% de local que tem 1,1 milhão de hectares. A informação consta no Dossiê Vermelho, um documento produzido pela Associação Amigos do Peixe-Boi (Ampa) ao qual a reportagem do Portal Amazônia teve acesso com exclusividade.

Segundo o diretor-executivo da Ampa, Jones César, o lugar é monitorado há 19 anos pelo Inpa, órgão parceiro da associação. A queda no número de animais ocorreu pela primeira vez em 2006, apontada pela pesquisadora Vera da Silva, no Subcomitê de Pequenos Cetáceos da Comissão Internacional da Baleia (CIB).

A matança do mamífero ocorre principalmente porque a carne é utilizada na pesca do peixe piracatinga, também conhecido por douradinha. O peixe é apreciado na culinária colombiana e sua aceitação cresceu no mercado brasileiro. O piracatinga é chamado, ainda, de urubu-d’água. O peixe alimenta-se de carne putrefata de outros animais. A caça de botos é terminantemente ilegal.

De acordo com o Dossiê Vermelho, a produção do pescado de piracatinga é enviado para venda, sem fiscalização, através do porto de Tabatinga (a 1.108 quilômetros de distância de Manaus). Os frigoríficos de Fonte Boa (676 quilômetros) são um dos principais pontos de comercialização do peixe, segundo Jones César.

Ainda de acordo com o documento, a extensão geográfica da cadeia de comercialização da piracatinga abrange os rios Madeira, Purus, médio Solimões, Japurá e a região da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia. Contudo, um levantamento mais atualizado e detalhado pode revelar um aumento desta área devido a aparente expansão da pesca.

Os botos são populares no universo mítico do caboclo amazonense, sendo protagonista de lendas amazônicas. O mamífero também é famoso pelo comportamento dócil. O especialista em mamíferos aquáticos do Inpa, pesquisador Fernando Rosas, disse que existem relatos de salvamento de náufragos por botos nos rios da Amazônia.

Fim da pesca
Na opinião do diretor-executivo da Ampa, o primeiro passo para proteger o boto-vermelho é proibir a pesca do peixe piracatinga no Brasil. A Ampa também recomenda campanhas educativas, fiscalização e pesquisa, com colaboração e estabelecimento de parcerias com instituições governamentais e do terceiro setor.

A líder do grupo de pesquisas de mamíferos aquáticos amazônicos da RDS Mamirauá, Miriam Marmontel, contou à reportagem do Portal Amazônia que a reserva possui várias frentes de pesquisa no habitat dos botos e em locais de comercialização do peixe. A pesquisadora disse acreditar que a redução na população de botos-vermelhos não está diretamente ligada à pesca do piracatinga. A pesquisadora também argumenta que a área em que o grupo do Inpa trabalha é pequena em relação a toda extensão da reserva e da Amazônia. “É um local muito pequeno. Uma área mínima da reserva”.

Ribeirinhos
O pesquisador e estudioso de jacarés, Robinson Botero, que trabalha no desenvolvimento de pesquisas dentro da reserva disse que do ponto de vista científico é complicado associar a redução de botos à pesca do piracatinga. O pesquisador argumentou que a atividade é mais praticada durante o período de seca dos rios e defeso de espécies mais rentáveis comercialmente. “O ribeirinho apela para venda da piracatinga para gerar uma alternativa de renda”.

O Inpa monitora, entre capturas e recapturas, cerca de mil botos-vermelhos em Mamirauá. A própria Ampa admitiu que a situação no perímetro não reflete a realidade do mamífero em toda a Amazônia brasileira. Mas alerta que ainda assim a situação é preocupante já que a Amazônia é um ecossistema complexo e todas as espécies da fauna e da flora estão interligadas.

A importância ecológica do boto é manter saudáveis as populações de peixes, pois ele come membros menos ágeis de cardumes. Outra característica importante deste mamífero é que ele não compete com os peixes, uma vez que se alimenta deles e contribui para seleção natural dos mais fortes.

A reserva Mamirauá está localizada a cerca de 600 quilômetros a oeste de Manaus, na região do curso médio do rio Solimões. Sua área de abrangência passa pelos municípios de Uarini, Fonte Boa e Maraã. Outras cidades amazonenses estão na área de influência da reserva são Jutaí, Alvarães e Tefé – esta última é o maior centro urbano próximo à reserva.

Fiscalização

Os órgãos de fiscalização ambiental responsáveis pelo monitoramento da fauna e da flora na região são Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). O Ibama atua em todo o território nacional, mas sua competência é específica a reservas federais – o que não o impede de trabalhar em reservas estaduais, como a Mamirauá.

No Amazonas, o ICMBio monitoramento duas áreas. A primeira, localizada no sul do Estado, compreende as cidades de Lábrea, Boca do Acre e Humaitá. A segunda, abrange os municípios de Carauari, Tefé, Manicoré, Tapauá, Itacoatiara, Balbina, Novo Airão e São Gabriel da Cachoeira. De acordo com o coordenador-regional-substituto do ICMBio, Sérgio Sá, há três anos aconteceu a última apreensão envolvendo pesca ilegal de boto, na cidade de Manicoré, uma das áreas protegidas pelo órgão.

Por meio de nota, o superintendente do Ibama no Amazonas, Mário Lúcio Reis, respondeu que a prática de matar botos – para usar como isca ou não – é criminosa e “deve ser coibida com rigor”. O superintendente afirmou que não existe autorização para abate de botos. Ele também garantiu que o órgão monitora a caça de botos há alguns anos e que houve diversas operações de fiscalização e investigação neste período. A região com maior incidência de pesca de botos é no médio rio Solimões (Tefé, Fonte Boa, Jutaí, Uarini, Maraã, Alvarães, Coari, Codajás), conforme dados do Ibama. As duas espécies de botos – tucuxi e vermelho – são capturadas, mas pescadores preferem o boto vermelho.

O Ipaam comunicou que há um programa especifico de fiscalização para combate à caça de botos. Com relação a dados sobre a caça de botos, a assessoria de imprensa do Ipaam informou que recebe poucas denúncias sobre o assunto, considerando que o órgão só assumiu a fiscalização da fauna da reserva Mamirauá em fevereiro deste ano. Anteriormente era competência da União.

http://www.portalamazonia.com

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