Hidrelétricas no Rio Tapajós pode afetar ecossistema e milhares de ribeirinhos – Portal Pesca Amadora Esportiva Hidrelétricas no Rio Tapajós pode afetar ecossistema e milhares de ribeirinhos | Hidrelétricas no Rio Tapajós pode afetar ecossistema e milhares de ribeirinhos – Portal Pesca Amadora Esportiva

Hidrelétricas no Rio Tapajós pode afetar ecossistema e milhares de ribeirinhos

Hidreletrica no rio Tapajos 4 O governo planeja erguer sete usinas hidrelétricas na bacia do Tapajós, a maior delas, São Luiz do Tapajós, foi traçada em uma região que pode afetar o ecossistema e a vida de muitos ribeirinhos. Se a usina for licenciada, os 700 moradores do ponto mais próximo, serão retirados da beira do rio e levados para a beira da estrada federal BR 230, a Transamazônica, em local próximo ao lago da usina. Como eles, mais de 2.500 ribeirinhos terão suas casas e comunidades alagadas na região do Tapajós, segundo estimativa da Avaliação Ambiental Integrada das sete usinas. Os estudos ambientais não calculam, porém, os outros milhares de pescadores que perderão sua fonte de renda devido as mudanças que as barragens provocam nos rios.

O primeiro impacto é o “sumiço” dos peixes, eufemismo local para a morte dos animais. O fenômeno já foi observado nas duas grandes usinas do rio Madeira, em Rondônia, construídas seguindo o mesmo modelo das do Tapajós: a usina fio d’água. Para diminuir o impacto ambiental, esse modelo usa reservatórios menores do que hidrelétricas como Itaipu. Mas, ainda assim, trabalha com o represamento. A diferença é que, no lugar de concentrar a represa em um grande lago logo acima da barragem, as usinas fio d’água sobem gradativamente o nível da água, distribuindo o alagamento por uma longa extensão. Ao barrar o fluxo da água, a correnteza perde força, alagando as margens e transformando um trecho do rio em lago. Para formar o reservatório, as usinas do Tapajós vão alagar 3.022 quilômetros quadrados, o equivalente a duas vezes a área da cidade de São Paulo.

O biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, acompanhou de perto o impacto do modelo sobre o rio Madeira. Ele aponta que, ao quebrar o fluxo da correnteza, o rio passou a ter bolsões de água sem oxigênio, criando um ambiente inóspito para os peixes. Em dezembro de 2008, o Ibama de Rondônia registrou 11 toneladas de peixes mortos durante a construção da usina de Santo Antônio. No relatório, os técnicos registraram que alguns peixes ainda podiam ser vistos “na superfície, agonizando por falta de oxigênio”.

Hidreletrica no rio Tapajos 3O segundo grande impacto é a quebra do ciclo reprodutivo. Ao subir o rio para fazer a desova, os peixes serão barrados pelos paredões de concreto. Só no caso de São Luiz do Tapajós, a barragem terá sete quilômetros de comprimento. A usina cria “escadas”, pequenas passagens para os peixes cruzarem esse paredão. Mas, segundo Fearnside, a experiência das usinas de Rondônia aponta que são poucas as espécies que acham essas passagens. “Um dos problemas é que o instinto dos peixes é seguir a correnteza principal”, ele explica. Abaixo da barragem, a correnteza mais forte vem da água que sai das turbinas.

Depois de monitorar a queda drástica na vida dentro do rio Madeira, Fearnside não vê perspectivas diferentes para o Tapajós. “São muitos obstáculos. Infelizmente, é improvável que uma tentativa de aprimorar as passagens consiga restaurar a migração dos grandes bagres”, avalia, referindo-se à espécie que é a principal fonte de renda local, a mesma que figura nos retratos pendurados na sala de Tatá.

Uma terceira mudança de grande impacto será o fim do ciclo natural de cheia e seca do rio, já que a usina vai controlar o fluxo da água. Além de desenhar as belas praias de areia branca típicas do Tapajós, responsáveis pela alta procura turística por Alter do Chão, esse fenômeno cria habitats fundamentais para a sobrevivência de diversas espécies vegetais e animais, como ariranhas e certos tipos de peixes, tartarugas e jacarés. A barreira física também será um obstáculo para a reprodução do boto cor de rosa e do peixe boi, espécies que correm risco de extinção.

Ribeirinhos não conseguem diálogo
A única comunicação entre os ribeirinhos e as empresas que conduzem os estudos é feita por um grupo que se apresenta como “Diálogo Tapajós”, uma empresa de São Paulo contratada pelo consórcio que fez os estudos de impacto ambiental, o mesmo que tem interesse em construir a usina (leia mais abaixo). Em tese, o Diálogo é responsável por apresentar aos moradores os impactos que eles vão sofrer, preparando-os para a mudança e para a negociação com o empreendimento. Mas o grupo não tem autonomia para isso e acaba por não cumprir o seu papel.

“Eu não sei porque colocaram o nome ‘diálogo’, porque quando você faz uma pergunta, eles não respondem”, diz Eudeir Azevedo. Ele elenca algumas das questões para as quais nunca teve resposta: “Pra onde nós vamos mudar? Quanto mais ou menos é que se paga por área afetada? Eles nunca sabem responder nada, então a gente pergunta: quem é realmente de fato a pessoa que a gente deve conversar? Mas nem isso eles dizem”.

Hidreletrica no rio Tapajos 2Em Pimental, a ação do Diálogo Tapajós tomou um contorno inusitado: o grupo que representa a usina virou “mediador” para aplacar conflitos criado pela própria usina entre membros da comunidade. Sem informações sobre os seus direitos, os moradores da vila se desentenderam sobre qual deveria ser a postura em relação ao empreendimento. O Diálogo Tapajós organizou um conselho para que os ribeirinhos se reunissem com a mediação da empresa.

O discurso da empresa hoje é de que o grande problema de Pimental é a cisão dentro da vila, como se os moradores fossem responsáveis caso as condicionantes não forem cumpridas. Givanildo Rodrigues de Paula, coordenador de campo do Diálogo, cita o exemplo da usina de Belo Monte como uma referência. A hidrelétrica está prestes a iniciar a produção de energia, mas está longe de completar o conjunto de ações sociais condicionadas à licença, como a remoção dos moradores. “É comum, nas nossas reuniões, aparecer a fala de que eles [ribeirinhos do Tapajós] foram a Belo Monte e viram que as casas não estão sendo feitas do jeito que prometeram. Ao invés de alvenaria, estão fazendo pré-moldado, que é quente”, diz Givanildo. “A gente coloca que o Diálogo não tem condição de garantir que aqui não vai ser dessa forma, mas que é um exemplo muito ruim e que a organização da sociedade civil tem que dar conta de evitar que isso aconteça aqui”.

O desentendimento entre moradores de Pimental esquentou em 2010, quando, sem pedir licença, uma empresa de topografia contratada pela Eletrobras furou o chão da comunidade para fixar os primeiros marcos. “Quando um morador foi perguntar qual era o serviço, numa boa, o funcionário disse que não tinha que dar explicação pra ninguém porque tava lá mandado pelo presidente, que na época era o Lula”, lembra Azevedo. Como o governo federal nunca se faz presente na vila, os moradores automaticamente acharam que o funcionário falava do presidente da associação de moradores, José Odair Pereira Matos, conhecido como C.A.K., e foram tomar satisfações com ele. Quando entenderam que o funcionário falava do presidente da república, um grupo se revoltou e destruiu o marco. A partir de então, a associação de moradores passou a proibir que os pesquisadores voltassem a pisar em Pimental. “Assim como eles têm o direito de dizer que a usina tem que sair, é um direito do ribeirinho defender o que é nosso”, diz C.A.K.. “A gente não tá pedindo cesta básica, um novo lugar pra morar, a gente tá defendendo um direito nosso”.

Mesmas empresas interessadas na usina são responsáveis pelos estudos de impacto
A relação de pouca confiança entre as empresas que conduzem os estudos de impacto e a população afetada se explica por um vício de origem no processo de licenciamento. As mesmas empresas interessadas em fazer as obras são as responsáveis pelos estudos de impacto ambiental e social e pela comunicação com a população afetada.

“Tem, no mínimo, uma forte tendência de conflito de interesses”, diz Brent Milikan, diretor do programa Amazônia da International Rivers, que monitora o modo como o governo brasileiro conduz o licenciamento das hidrelétricas. “Estamos falando de impactos sobre um patrimônio público e a legislação estabelece que tem de ter medidas de mitigação e compensação. Mas isso, para as empresas, se traduz em gastos”.

Brent aponta o papel “contraditório” da Eletrobras nesse processo. A empresa de capital aberto que é controlada pelo governo federal lidera o consórcio de empresas interessadas em construir a usina, composto por Camargo Correa, EDF, Copel, Cemig, GDF Suez, Endesa e Neoenergia. Brent aponta que, ao invés de ser o fiel da balança do interesse público nesse processo, a Eletrobras lidera o consórcio “como uma empresa privada, focada em maximizar o lucro”. Pior, ela atuaria dentro do governo para pressionar e “intimidar” o órgão licenciador (Ibama) a aprovar os estudos e liberar o licenciamento.

Hidreletrica no rio TapajosNo caso das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, o consórcio liderado pela Eletrobras contratou os serviços da CNEC Worley Parsons, empresa australiana que comprou a CNEC, consultoria técnica da Camargo Corrêa. A Worley Parsons, mesma que executa as obras de compensação social de Belo Monte, foi a responsável pelo levantamento dos impactos ambientais e sociais das usinas do Tapajós.

O Ministério Público Federal apontou uma omissão grave nesses estudos, que motivou uma ação civil pública contra o Ibama e quase paralisou todo o processo de licenciamento: a análise das usinas foram feitas de forma isolada, sem uma avaliação que medisse o conjunto de impactos das sete usinas na bacia. Além disso, o licenciamento estava chegando ao final sem que a população afetada fosse consultada. A data do leilão chegou a ser anunciada pelo Ministério de Minas e Energia, que dias depois suspendeu o anúncio.

Depois que a justiça federal exigiu, a Avaliação Ambiental Integrada ficou pronta em menos de três meses. Foi criticada por ambientalistas por ter sido feita às pressas e por ter se baseado em dados secundários. “O simples fato do estudo ser produzido pelas empresas interessadas deixa a informação viciada e limitada. Vira uma propaganda do empreendimento”, afirma Arthur Massuda, da Artigo 19.

A população de Pimental nunca foi consultada sobre a usina que pode ser construída sobre o solo onde a vila está há pelo menos 120 anos.

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